terça-feira, 15 de março de 2011

Entrevista com o escritor e pesquisador alemão Sylk Schneider:


"Goethe, o brasileiro."
O escritor e pesquisador alemão Sylk Schneider, autor de “Viagem de Goethe ao Brasil”, fala da relação, quase obsessão, entre o canônico poeta alemão e o “país grandioso”
Edgar Welzel
De Stuttgart, Alemanha
Especial para o Jornal Opção

Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) é visto como  o maior poeta da língua alemã. Stefan Zweig, que viveu 100 anos mais tarde, assim o definiu: “Goethe... o homem que a Alemanha, que a Europa vê como o mais sábio dos sábios, o mais maduro e esclarecido espírito do século 19...”.  Goethe não foi só poeta, dramaturgo, diretor de teatro, ministro e homem de Estado. Goethe atuou em várias áreas do saber humano. Ao lado de suas poesias, dramas e prosa, é autor de tratados tão distintos como arte, mineralogia, botânica, ótica,  granito, Aristóteles, Júlio César, arquitetura alemã, arte da Antiguidade. Sua biografia é amplamente conhecida graças aos seus minuciosos diários e milhares de documentos particulares arquivados na Anna-Amalia-Bibliothek de Weimar, cidade onde viveu a maior parte de sua vida. Há porém um detalhe na vida deste homem que, mesmo entre os seus admiradores alemães, é pouco conhecido. Goethe foi um grande admirador do Brasil. O primeiro registro em seu diário sobre o Brasil encontra-se no dia 8 de dezembro de 1802 e o último em 31 de setembro de 1831. São pequenas anotações mas que dão ao estudioso informações sobre o vasto campo de interesse de Goethe sobre o Brasil bem como o seu diversificado contato com outros cientistas e naturalistas que, na época, estudavam a flora, a fauna e as riquezas geológicas do país que na Europa, na época de Goethe, ainda eram desconhecidas. Tão acentuado foi o interesse de Goethe pelo Brasil que outros naturalistas, referindo-se a ele, chamavam-no de “Goethe, o Brasileiro”.
O acadêmico alemão Sylk Schneider (foto) interessou-se por este detalhe da vida de Goethe. Pesquisou nos arquivos da Anna-Amália Bibliothek e várias outras instituições. Publicou os resultados de suas investigações em um livro lançado na Alemanha com título enigmático: “Viagem de Goethe ao Brasil — Viagem Imaginária de um Gênio”. A entrevista foi feita via e-mail e é exclusiva do Jornal Opção.
Sua formação acadêmica abrange várias áreas. O sr. estudou economia, geografia e romanística na Universidade de Tübingen, no Sul da Alemanha. A romanística tem pouco a ver com as duas primeiras. Como se explica este currículo?
O meu estudo universitário de economia era direcionado para a economia da América Latina. Então era óbvio estudar também as línguas da região. Enquanto a maioria dos meus colegas optou pelo espanhol, eu me apaixonei pela língua portuguesa. O currículo exigia estudar, no mínimo, meio ano no exterior. Tive o prazer de estudar um ano de economia na Universidade Federal de Pernambuco. E isto no tempo do Plano Collor, que mexeu com o dinheiro de todo mundo.

Quais foram as suas experiências acadêmicas em Pernambuco?
Fiz os cursos de mestrado na Faculdade de Economia. O que adorei foi aquele jeito colegial dos professores e as classes pequenas. Um pouquinho perturbador foi a quantidade de greves que havia na época.

Pode-se dizer que o sr., com este currículo, é talvez o único autor alemão que domina o idioma português e isto de forma admirável?
Obrigado, mas, embora arranhe um pouquinho o português, ainda não tive coragem de traduzir meu próprio livro. Existem outros autores alemães com perfeito domínio do português, como Berthold Zilly, tradutor de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha. Outros autores alemães famosos sabem português “more or less” (mais ou menos). Günter Grass, por exemplo, que tem uma casa em Portugal, ou Frido Mann, neto de Thomas Mann, que começou a aprender português para pesquisar a história da família, em particular da bisavó, Julia Mann, que nasceu no Brasil. Está planejando abrir um centro cultural na casa de Julia Mann em Parati (RJ). E há no Brasil muitos teuto-brasileiros bilíngues como você, que escreveu “O Homem Sem Nome”. Verdade é que a língua portuguesa, na Alemanha, não tem a importância que merece. É a oitava língua mais falada do mundo, eu a acho até mais importante que o italiano ou o francês, mas, nas universidades da Alemanha, é muito pouco lecionada.

Como nasceu a ideia de escrever a "Viagem de Goethe ao Brasil?" Nasceu no Recife ou já se encontrava latente durante os seus estudos em Tübingen?
Na bela cidade do Recife, a Veneza brasileira, tornei-me fã dos relatos de viagens dos naturalistas europeus do século 19 que foram ao Brasil. Recife foi dominado pelos holandeses por mais de 30 anos. O conde alemão Maurício de Nassau, a serviço dos holandeses, comandava esse legado. E, ao contrário dos portugueses e da maioria dos outros povos colonizadores, esse conde teve uma política de comunicação aberta. Trouxe cientistas e pintores que muito o ajudaram em seu governo. Seu médico, Guilherme Piso, publicou uma obra sobre medicina tropical. Trata-se da primeira obra desse gênero publicada no mundo. Os quadros de Frans Post e Eckhout são muito detalhados. São as mais antigas pinturas paisagísticas do Brasil e da América Latina. Depois que os portugueses expulsaram os holandeses, o Brasil virou terra incógnita por mais de dois séculos. Mas, voltando à pergunta, no Recife encontrei relatos de naturalistas por toda parte. Fui lendo os relatos de Piso, Marcgrave, Baerleus, Laet, Koster, Martius, Eschwege, Wied, Spix, Kloss, Natterer, Pohl, von Schreibers, e notei que muitos dos livros do início do século 19 falavam de Goethe. Perguntei a mim mesmo por que aparece o nome de Goethe nos prefácios das edições dos livros de Eschwege, de Wied e de Martius sobre Brasil, e aí comecei a pesquisar as fontes do interesse de Goethe sobre o Brasil. Achei mais de 200, até hoje.

Donde veio o interesse de Johann Wolfgang von Goethe pelo Brasil?
Goethe sempre se interessou por notícias de outras partes do mundo. Sabemos que, quando a corte portuguesa fugiu das tropas de Napoleão para o Brasil,  houve uma mudança na política brasileira, até então fechada. O Brasil começou a se abrir para outras nações. Era a chamada segunda descoberta do Brasil. O interesse de Goethe logo despertou e foi aprofundado quando ele se tornou ministro de Estado da Saxônia-Weimar. O duque Carlos Augusto, da Saxônia-Weimar, soube que, em razão do casamento de Leopoldina da Áustria com o príncipe D. Pedro, iria uma expedição científica para o Brasil. Goethe recebeu a incumbência do duque para averiguar se o ornitólogo Thienemann seria apropriado para ser enviado ao Brasil para uma expedição científica. Não deu certo, por  razões que ainda não consegui descobrir, mas, desde então, o pequeno ducado da Saxônia-Weimar tornou-se um centro de recepção dos novos conhecimentos sobre o Brasil. E, no meio deste centro, estavam o duque e Goethe.

O século 19 foi o século dos naturalistas. Goethe manteve correspondência com muitos que viajaram pelo Brasil e por outros países da América Latina e conheceu muitos deles pessoalmente. Qual ou quais foram os naturalistas que mais o influenciaram?
O mais admirado por Goethe foi Alexander von Humboldt. Este, no entanto, nunca esteve no Brasil. Mais contato Goethe teve com o chamado pai da geologia brasileira, Wilhelm Ludwig von Eschwege, que publicou suas primeiras obras na editora de Friedrich Justin Bertuch, em Weimar. Eschwege apaixonou-se por Sophie von Baumbach, mas os pais da moça não permitiram o casamento. Achavam que Eschwege não era um genro vantajoso. Desgostoso, o geólogo Eschwege foi  para Portugal e, mais tarde, para o Brasil, onde o rei D. João VI nomeou-o diretor de seu gabinete geológico e diretor das minas de ouro. Eschwege foi o fundador da primeira usina de ferro no Brasil. Quando voltou do Brasil, rico e respeitado, sua primeira visita foi a Weimar. Soube então que Sophie von Baumbach tornara-se dama da Corte de Weimar. Só agora, 18 anos após a decepção inicial, os pais dela concordaram com o casamento. Goethe, que conhecia Sophie von Baumbach e as publicações de Eschwege, ficou feliz em conhecer o barão Eschwege pessoalmente. Nos diários de Goethe, consegui comprovar a ocorrência de mais de 20 encontros de Goethe com Eschwege e, nos arquivos de Weimar, existem várias cartas do Barão de Eschwege a Goethe. Outro cientista e brasilianista que Goethe encontrou duas vezes pessoalmente foi o chamado pai da botânica brasileira, Carl Philipp von Martius. A maior obra científica botânica do mundo escrita até hoje é a “Flora Brasiliensis”, iniciada por Martius. Lendo as obras de Martius, Goethe escreveu que “se sentia em casa nesse distante continente (Brasil)”.

Goethe foi poeta, homem de Estado e cientista nas mais  diferentes áreas do saber. Como se explica que, entre os naturalistas que viajaram à América, Goethe era conhecido como geólogo e quase não como poeta? 
Goethe era ministro das Minas e, como tal, se aprofundou muito em assuntos geológicos. Como geólogo, era conhecido nos Estados Unidos, antes de se tornar famoso como escritor.

Na época de Goethe quase não existia literatura sobre o Brasil em língua alemã. Mas consta que Goethe já tinha em sua biblioteca particular várias obras de outras línguas que tratavam sobre o Brasil. A biblioteca de Goethe permanece intacta, da forma como ele a deixou. O sr., em suas pesquisas, conseguiu averiguar que obras sobre o Brasil estavam em poder de Goethe?
Sim, até hoje a biblioteca de Goethe está intacta. Através do catálogo de Ruppert sabemos quais são os livros que Goethe possuía. Como pesquisador, tive o privilégio de ver os originais. Há dezenas de obras que tratam de assuntos brasileiros. Uma obra belíssima é a descrição da viagem de Martius, que vem acompanhada de lindas gravuras, de 50 x 70 centímetros. Outra obra com lindas gravuras é a descrição da viagem do princípe Maximilian von Wied-Neuwied ao Brasil.

A vida e a obra de Goethe são  bem conhecidas graças aos seus diários, registros de viagem e milhares de papéis que ele deixou, além de várias boas biografias que se encontram no mercado. Como se explica que a admiração de Goethe por tudo que dizia respeito ao Brasil é tão pouco conhecida, mesmo entre os seus admiradores alemães?
Além do seu interesse pelo Brasil como ministro, geólogo e botânico, há mais uma razão  que descobri nas cartas: a vontade de viajar sem poder, devido a sua avançada idade. “A visita dos viajantes me dá o prazer de viajar sem me deslocar”, dizia, ou “como não sou mais jovem, a alternativa é viajar por meio das bibliotecas”.

Goethe exerceu a profissão de advogado em Frankfurt por pouco tempo, quando conheceu o grão-duque  Carlos Augusto de Weimar, que se tornou  seu protetor. Os dois homens tornaram-se amigos, amizade que durou a vida toda. Carlos Augusto, apesar de mais jovem que Goethe, apoiou-o financeiramente durante toda a vida. Será que Goethe teria sido Goethe sem este apoio financeiro por parte dos cofres do Estado?
Goethe chegou a Weimar já famoso como autor do “Jovem Werther”. Era de uma família rica. O duque foi superinteligente ao dar apoio a Goethe, porque o pequeno ducado de Weimar era um dos mais pobres da Alemanha. Nunca iria conseguir alcançar importância financiando um grande exército ou investindo na economia. A cultura era a única saída. Até hoje Weimar vive dessas decisões dos duques em investir na cultura.

A Anna-Amalia Bibliothek em Weimar abriga o acervo de Goethe. Consta ter ele escrito mais de 30 mil cartas das quais ainda se conservam 15 mil. Em muitas cartas Goethe fala do Brasil. Quantas destas cartas o sr. leu e analisou a fim de redigir o seu livro?
As cartas de Goethe são guardadas no arquivo Goethe e Schiller, em Weimar, que, como o Museu Nacional de Goethe e a Biblioteca Anna-Amalia, faz parte da segunda maior fundação cultural da Alemanha (Klassik Stiftung Weimar). Não contei as cartas, mas são muitas, centenas. E ainda faltam-me para pesquisar e aprofundar  outras tantas cartas dos amigos brasilianistas de Goethe.

Goethe tinha bom conhecimento sobre a flora brasileira. Sempre que um naturalista viajava ao Brasil ele pedia que lhe trouxessem sementes e mesmo mudas de plantas para seu jardim em Weimar. Ainda existem árvores de sementes do Brasil plantadas por Goethe em Weimar?
As plantas do Brasil, em geral, precisam de uma estufa para sobreviver aos invernos rigorosos da Alemanha. O próprio Goethe só tinha jardins ao ar livre. Mas, no catálogo do jardim do duque, em Belvedere, constam plantas do Brasil. E ainda hoje o jardim tem, por exemplo, uma Araucária. Mas duvido que seja uma das de Goethe.

Goethe era um grande colecionador. Sua coleção constava de 26.500 peças que se encontram intactas em sua última residência, um casarão de 50 aposentos, que hoje é museu. Ao barão Guilherme Ludovico von Eschwege, que fora chamado ao Brasil por D. João VI, Goethe pediu que lhe trouxesse alguns diamantes, pedido que o barão von Eschwege atendeu. Goethe, que também era ministro de Finanças do duque, pagou com dinheiro do Estado mas os diamantes ficaram em sua coleção. Goethe era um pilantra? Como terminou esta história?
Os diamantes ficaram provisoriamente na coleção de Goethe só por um certo tempo. Nunca foram incorporados em sua coleção. É óbvio que Goethe, na política das compras, também seguia seus próprios interesses. Como diretor da biblioteca do duque, por exemplo, Goethe era responsável pela aquisição de livros. Por esta razão muitas vezes encontram-se os mesmos livros na biblioteca do duque (hoje biblioteca Anna-Amalia) e na biblioteca de Goethe. Só que o exemplar do duque era com gravuras coloridas à mão, quatro a cinco vezes mais caras, enquanto o de Goethe era em preto e branco.

Entre a coleção de Goethe encontrava-se também uma rede feita por uma tribo de índios do Amazonas. Sabe-se quem é que lhe trouxe esta rede?
É muito provável que a rede tivesse sido um presente de Martius, porque é do mesmo tipo de rede de buriti que é descrita no livro de viagem de Martius.

O sr. tem conhecimento se Goethe testou esta rede? É possível imaginar que o maior poeta alemão tenha dormido numa rede feita por índios de uma tribo do Amazonas?
Infelizmente não encontrei prova de que Goethe haja testado a rede, mas adoro imaginá-lo deitado numa rede, sonhando com o Brasil. É uma ideia que torna o maior escritor alemão mais acessível e simpático, não acha?

Se esta rede ainda existe onde se encontra?
A rede existe em estado original, bem conservada, nas coleções do Museu Nacional de Goethe, em Weimar. Pude vê-la pessoalmente, pela primeira vez, em outubro passado e fiquei surpreso com o seu perfeito estado de conservação. Está intacta e acho que se poderia deitar nela ainda hoje.

O príncipe Maximiliano Wied zu Neuwied trouxe do Brasil duas espécies de malva que ainda não tinham sido descritas cientificamente. O botânico Nees von Esenbeck fez esta decrição.  Como aconteceu que estas malvas acabaram recebendo o nome científico de Goethea cauliflora” e Goethea semperflorens em homenagem à Goethe?
Nees von Esenbeck explica numa carta a Goethe: “O cientista adora ver os grandes mestres no mundo da botânica”. Nees von Esenbeck, Wied Neuwied e Martius tinham contato entre si e com Goethe e os três sabiam do interesse que Goethe tinha por assuntos do Brasil. Então decidiram dar o nome de Goethe a esta família de plantas, da ordem das malváceas.

É verdade que alguns jardins botânicos da Alemanha continuam a cultivar estas Goetheas?
Não só os jardins botânicos da Alemanha, como em Bonn, Hamburgo, Frankfurt, Jena, Heidelberg e outros, mas também os de Nova York e o Kew Gardens, em Londres. No Brasil, em 1932, foi plantada uma Goethea no jardim do Petit Trianon, da Academia Brasileira de Letras, e foi fundado no Rio O parque da Goethea. Adoraria se as escolas do Brasil que ensinam alemão plantassem, com a Goethea, o espírito humanista de Goethe nos jardins da escola. A nova associação de Goethe do Brasil seguiu a minha sugestão e escolheu a Goethea como logotipo da associação.

A Universidade Humboldt de Berlim  há dez anos está fazendo um trabalho de pesquisa com a Goethea. Qual é o objetivo desta pesquisa?
A pesquisa do professor Grüneberg conseguiu, nos últimos dez anos, adaptar a planta tropical Goethea em uma planta ornamental para o interior das casas na Alemanha. Pesquisaram como deverá ser tratada, quanta luz, água.

Nos arquivos de Goethe encontra-se um manuscrito sobre a raiz-preta (conhecida também como boi-gordo) e a ipecacuanha. O sr. conhece este manuscrito e quais foram os interesses de Goethe por estas duas ervas brasileiras?
Goethe era tão conhecedor da botânica do Brasil que ele descobriu um erro na descrição do geólogo Eschwege sobre essa planta. Usou, então, a sua rede de “brasilianistas e cientistas” para esclarecer esse erro. Já naquela época existia grande interesse por novas plantas medicinais e Goethe claramente reconheceu o enorme e valioso potencial da flora do Brasil para a cura de muitas doenças. Em sua biblioteca existe uma obra de Martius chamada “Plantas Medicinais do Brasil”. Hoje em dia, estamos redescobrindo a força e o potencial da flora brasileira para fins medicinais. A ipecacuanha existe hoje como produto medicinal semi-industrializado.

Em 1821 foi inaugurado um Museu Brasileiro em Viena. No mesmo ano houve uma exposição na qual foi “exposto”, ao vivo, um casal de índios botocudos, uma medida hoje impensável. Quem é que trouxe este casal a Viena?
Estes índios vieram com Emanuel Pohl, que fazia parte da missão científica que fora ao Brasil junto com a princesa Leopoldina.

Onde ficou este casal?
Foi exposto em praça pública em Viena como se fossem animais.

Foi este o primeiro e último casal de botocudos na Europa?
Antes já estivera na Europa o botucudo Quäck, que veio junto com o príncipe Wied. Quäck serviu como servo pessoal do príncipe no seu castelo em Neuwied. Além disso, um casal de crianças índias da tribo miranha do Rio Tefé, Amazonas, foi trazido por Martius e também exposto em Munique. Deram-lhes os nomes de Puri e Isabela.

Quem é que cuidou delas e que fim levaram estas crianças?
Isabela e Puri ficaram aos cuidados dos empregados de Martius, mas morreram cedo, por causa do clima e das doenças europeias. Estão sepultados num grande túmulo ornamental em Munique. No túmulo há uma gravura imitando o vento e a inscrição: “O cruel vento do Norte os levou”.

No prefácio de seu livro, o sr. escreve: “Meu desejo é que este meu trabalho motive pesquisas adicionais... a fim de esclarecer outros detalhes interessantes...” Isto significa que o sr. vê o seu livro incompleto? 
Quanto mais você pesquisa um assunto tanto mais detalhes você encontra. Por que, por exemplo, o ornitólogo Thienemann não foi para Brasil? Talvez se ache uma pista nos Arquivos Secretos do Estado da Prússia.

No epílogo o sr. volta ao assunto e reforça que o seu trabalho é um trabalho incompleto. O sr. chega até a dar 13 sugestões sobre tópicos que ainda deveriam ser pesquisados e incluídos. Afinal o sr. fala dos altos custos. É este o maior obstáculo?
O maior obstáculo é a falta de tempo. Logicamente, se você tiver um mecenas que lhe custeie, você pode se desfazer de algumas tarefas e concentrar-se mais nas pesquisas.

O sr. prefere que outros continuem a pesquisar o assunto? Não seria normal o sr. mesmo dar seguimento ao tema?
O melhor seria criar um grupo de pesquisa internacional que aborde vários aspectos. Acabei de voltar de Lyon, na França, da “Journée d’études Faust, le diable et le désenchantement du monde”, onde vários professores de Germanística e pesquisadores da França, da Alemanha e da Espanha abordaram aspectos do “Fausto”. Falei sobre as minhas pesquisas sobre Goethe e o Brasil, que só aleatoriamente têm a ver com o “Fausto”. Por exemplo, Martius escreve para Goethe: “Nada me preparou tanto para a viagem ao Brasil como a obra de Spinoza e o seu ‘Fausto’.”  Na primeira carta, ele escreve que, na solidão das matas do Amazonas, Martius e Spix falaram muito no “Fausto” e na “Metamorfose das Plantas”, outra obra importante de Goethe. Comentei também que umas das primeiras obras que Goethe leu sobre o Brasil foi a famosa “Historia das Índias” (o Brasil era parte da Índia Ocidental), de um “pai da Revolução Francesa”, Abbé Raynal. Não domino o francês, portanto ficaria muito contente se alguém pesquisasse a obra de Raynal em relação a Goethe. Sei que deve haver, no Brasil, cartas entre Dom Pedro e Martius. Será que falam de Goethe? Ficaria muito feliz se alguém localizasse essas cartas.

Em outras palavras, o que resta a fazer é tarefa que um indivíduo só não pode fazer. Seria trabalho de equipe com técnicos e especialistas de vários ramos e com apoio financeiro do governo ou de instituições culturais e mesmo empresas  particulares. Seria este o caminho?
Este seria o caminho ideal.

Quanto ao lançamento de seu livro no Brasil. O sr. já tem estabelecido contato com editoras brasileiras?
Já fiz uma leitura no Brasil, na Livraria Cultura (em São Paulo), e notei que o interesse é ainda maior no Brasil do que na Alemanha. Daí surgiu a ideia de publicá-lo também Brasil. Na última Feira do Livro de Frankfurt, em outubro do ano passado, entreguei o meu livro a duas editoras.

Qual foi a reação?
Estou aguardando. Talvez encontre um editor que se interesse pelo assunto.

Weimar, na época de Goethe, era uma pequena cidade com cerca de 6 mil habitantes. Como foi possível que esta pequena cidade se transformasse num alto centro cultural que influenciou não só a cultura na Alemanha mas em toda a Europa?
Este fato é impressionante mesmo. Claro que foi a política do Ducado da Saxônia-Weimar, no tempo de Goethe, de fomentar a cultura e também por ser um dos Estados mais liberais da época. Mas as gerações seguintes também contribuíram. No dia 4 passado, o Museu da Cidade de Weimar, onde trabalho atualmente, abriu a exposição “Weimar/Wartburg — Wartburg / Weimar — conceitos de cultura para um mundo educado”, que aborda a política da geração seguinte, com Liszt em Weimar, e a reconstrução do castelo de Wartburg, a abertura da Kunstschule (Escola de Arte), que foi o ponto de partida para a próxima inovação em Weimar: a Bauhaus, que revolucionou a arquitetura no século 20.

Sr. Schneider, já abordamos vários temas. O sr. gostaria de acrescentar algo que seja de interesse de nossos leitores?
Caso tenhamos suscitado o interesse de um ou outro leitor em saber mais sobre Goethe, sugiro que leiam o “Fausto”, e é claro que vale a pena visitar o Estado da Turíngia, cujas cidades não são muito grandes. Em compensação (Weimar hoje tem 60 mil pessoas), são ricas em cultura.

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