quinta-feira, 22 de março de 2012

'Greencard' para o etanol brasileiro



Depois de mais de 30 anos em vigor, a política de subsídios ao etanol produzido nos Estados Unidos terminará no próximo dia 31. Com o recesso de fim de ano do Congresso americano, oficializado ontem, não há mais possibilidade de que seja votada a renovação da lei que impunha a tarifa de importação de US$ 0,54 por galão (equivalente a 3,78 litros) ao etanol brasileiro e que também estipulava um crédito tributário de US$ 0,45 por galão ao etanol misturado à gasolina nos EUA, a um custo atual de cerca de US$ 6 bilhões por ano aos cofres do Tesouro americano. A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), que reúne produtores de etanol no Brasil, comemorou o fim dos subsídios e das medidas protecionistas nos EUA.

Mas especialistas alertam que isso tende a pressionar os preços do produto no Brasil — uma vez que os produtores serão incentivados a exportar num momento em que a produção brasileira de etanol diminui. Indiretamente, poderá haver impacto também nos preços da gasolina, já que o combustível tem 20% de etanol na sua mistura.

— Pela primeira vez, em mais de três décadas, os EUA abrem o mercado para o etanol importado. Brasil e EUA são responsáveis por 80% do etanol do mundo, e agora não há mais tarifa para esse combustível. É um passo importante para a consolidação do etanol como uma commodity internacional — disse Letícia Phillips, representante da Unica na América do Norte.
 
O presidente da Unica, Marcos Jank, disse ontem que o fim da tarifa de importação do etanol brasileiro vai elevar as vendas do combustível para o mercado americano em dez vezes na próxima década, podendo chegar a um volume exportado de 15 bilhões de litros até 2022. Hoje, o Brasil exporta o equivalente a 1,5 bilhão de litros (60% para os EUA) de um total produzido de 25 bilhões de litros por ano. Ou seja, vende lá fora só 6% do que produz.

— Foi uma vitória extraordinária que abre a chance de o Brasil consolidar o etanol como um combustível global — disse o executivo, lembrando que as exportações de etanol poderão agora atingir o mesmo nível do açúcar, cuja exportação equivale hoje a 70% da produção.

Jank acredita ainda que a extinção da tarifa e a abertura do mercado americano devem incentivar os investimentos na produção destinada à exportação de etanol. Mas advertiu que o tempo para colocar uma nova usina em operação é de três a quatro anos:

— Hoje, ainda estamos pagando pela crise de 2008, que colocou um terço do setor em dificuldades. Mas temos condições de fechar contratos lá fora que garantam a construção de usinas que atendam a essa nova demanda.

De acordo com Jank, mais de 90% da produção brasileira de etanol é destinada ao mercado interno, e o aumento das exportações para os EUA não deve prejudicar o abastecimento interno. Desde o ano passado, as usinas estão tendo dificuldades para atender à crescente expansão de consumo do combustível no país.

— O mercado interno ainda é nossa prioridade. Vamos aumentar as exportações devagar, de 7% para 10%, por exemplo. Até porque vamos ter dificuldade para exportar nas próximas duas safras — afirmou.

— O incentivo para o aumento da produção do nosso combustível está vindo do exterior e não do governo brasileiro — criticou.

Com a abertura do mercado americano, Jank acredita que o etanol brasileiro deverá ganhar o reconhecimento de outros mercados.

— Tenho certeza de que, depois dos EUA, vamos ter o reconhecimento dos países da Europa e do Japão.

Mas o o consultor Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), lembra que a abertura do mercado americano ocorre num momento em que a produção brasileira não está conseguindo atender à demanda, levando o país inclusive a importar etanol.

— Além de criar uma nova pressão nos preços, isso mostra que estamos na direção errada. Enquanto importamos etanol e aumentamos nosso consumo de gasolina, um combustível sujo, os EUA vão na direção contrária, incentivando o combustível limpo — afirmou.

País importou álcool e gasolina este ano

Mesmo com a alta nos preços este ano, que levaram a gasolina a se tornar mais vantajosa para os carros flex, as estimativas do mercado são de que o Brasil importou em 2011 mais de um bilhão de litros de etanol. Este ano, também houve aumento na importação de gasolina: foram 45 mil barris diários, contra 9 mil no ano passado.

Os produtores americanos já vinham se preparando para o anunciado fim dos subsídios. Há 18 meses, a Growth Energy, conglomerado de produtores de etanol dos EUA, propôs ao Congresso a troca dos atuais subsídios por recursos para a implementação de uma infraestrutura de distribuição do etanol ao consumidor americano. Mas não obteve sucesso por causa do bloqueio bipartidário predominante nos debates parlamentares.

— A era do crédito acabou. Não precisamos de subsídios para a produção, mas sim de facilidades de acesso ao mercado — defende Christopher Thorne, um dos diretores da Growth Energy.

Jeff Broin, presidente da Poet, líder mundial na produção de etanol, não vê um efeito maior do fim dos subsídios na indústria americana.

— O etanol é hoje capaz de competir com a gasolina sem o crédito tributário — disse recentemente em uma conferência.

O Ministério das Relações Exteriores afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que apenas no dia 31 de dezembro o Brasil poderá ter certeza de que os subsídios ao etanol americano não serão realmente renovados. O Itamaraty informou ainda que acompanha toda a movimentação por meio da Embaixada brasileira em Washington e se pronunciará no início de 2012. Os ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento não se pronunciaram.

Fonte: O Globo


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