quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Impactos na biodiversidade por conta da revisão do Código Florestal são discutidos em evento do Biota-Fapesp




Impactos potenciais da revisão no Código Florestal, em tramitação no 
Congresso Nacional, na biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos 
foram debatidos por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento 
nesta terça-feira (3/8), em evento organizado pelo programa 
Biota-Fapesp, na sede da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de 
São Paulo (Fapesp).

Carlos Alfredo Joly, coordenador do Biota-Fapesp e professor da 
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), abriu o encontro 
lamentando a falta de participação da comunidade científica nas 
discussões sobre as alterações no atual Código Florestal, que preveem, 
por exemplo, reduções significativas nas áreas de preservação 
permanentes (APP) e anistia a desmatamentos feitos até 2008.

Essa nossa crítica foi destacada em uma carta assinada pela Sociedade 
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia 
Brasileira de Ciências (ABC), as duas maiores representantes da 
comunidade científica, disse Joly. As duas entidades deverão ampliar 
as discussões sobre o assunto por meio de um grupo de trabalho.

Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor da Escola Superior de Agricultura 
Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), que 
coordenou o encontro junto com Joly, ressaltou que a proposta de 
revisão do código ensina importantes lições à comunidade científica, 
entre elas a importância de tomar iniciativas de mudanças antes que 
outros o façam.

O Código Florestal atual vigora desde 1965 e nós [pesquisadores] não 
tínhamos nos preocupado em atualizá-lo até hoje, disse Rodrigues, 
ressaltando a importância da pesquisa científica para sustentar 
políticas públicas.

Na parte da manhã, cientistas apresentaram os impactos que grupos 
taxonômicos específicos poderiam sofrer no caso de ser aprovada a 
proposta do novo código aprovada pela Comissão Especial da Câmara dos 
Deputados.

Os palestrantes foram convidados a usar suas apresentações como ponto 
de partida para artigos científicos, que serão submetidos para 
publicação na próxima edição da revista Biota Neotropica.

Lilian Casatti, professora do campus de São José do Rio Preto da 
Universidade Estadual Paulista (Unesp), falou sobre possíveis impactos 
aos peixes. Um dos principais problemas da proposta de revisão do 
código, segundo ela, seria a redução na largura das matas ripárias, 
que acompanham os cursos d'água, de 30 metros para 15 metros em 
riachos e ribeirões com menos de 5 metros de largura.

De acordo com a pesquisadora, isso afetaria a ictiofauna em vários 
aspectos. Sem a cobertura vegetal ciliar os peixes estariam mais 
expostos à luz solar. Espécies que possuem larvas sensíveis à radiação 
ultravioleta seriam reduzidas. Peixes que utilizam a identificação 
visual para selecionar parceiros também seriam prejudicados e várias 
cadeias tróficas seriam irremediavelmente alteradas.

Muitos peixes se alimentam de determinados insetos que, por sua vez, 
alimentam-se de certas folhas dessas matas. Há estudos apontando que, 
com menos matas, os peixes perdem biomassa. causando perdas genéticas 
e até de espécies, disse.

A perda da cobertura vegetal ripária também causaria o aumento na 
turbidez dos rios devido ao assoreamento, o qual também provocaria a 
entrada de poluentes no curso d'água.

Um dos maiores prejuízos seria a extinção de diversas espécies de 
peixes. Estudos realizados no Estado de São Paulo mostram que o maior 
número de espécies está concentrado em pequenos córregos. No Estado, 
foram encontradas 344 espécies, do total de 2.587 peixes brasileiros 
de água doce, e 66 estão ameaçadas, sendo que 45 vivem em pequenos 
ambientes.

Essas espécies vivem em apenas 10 metros quadrados, em média, durante 
toda a vida, disse Lilian, para ilustrar que até perdas de pequenas 
porções de vegetação natural podem resultar no desaparecimento de 
diversos táxons.

Segundo a professora da Unesp, os pequenos cursos d'água guardam uma 
grande diversidade genética que estaria ameaçada após as mudanças no 
Código Florestal. A região de São José dos Dourados (SP), estudada por 
Lilian, possui 4 mil quilômetros de pequenos rios enquanto que o rio 
principal tem apenas 220 quilômetros.

Nessa região, entre 61% a 78% dos córregos já estão cercados pela 
plantação de cana-de-açúcar, eles não podem se dar ao luxo de ter mais 
áreas reduzidas, afirmou.

Problemas agravados

Felipe Toledo, do Museu de Zoologia da Unicamp, falou sobre os 
possíveis impactos em anfíbios. Habitantes da água, dos biomas 
terrestres e das áreas de transição entre ambos, os anfíbios seriam um 
dos grupos mais afetados pela redução das matas ripárias.

Em todo o mundo, os anfíbios formam o grupo mais ameaçado da natureza, 
com 32,5% das espécies sob risco, disse. Bastante sensíveis às 
alterações ambientais, os anfíbios já são afetados pelos efeitos das 
mudanças climáticas globais, que secam trechos de riachos e 
lagos,expondo ovas a predadores e intempéries.

Por respirar através da pele, o grupo também tem sentido os efeitos do 
uso de defensivos agrícolas, sendo registrados muitos casos de má 
formação de sapos e rãs que os tornam presas fáceis de predadores. 
Todos esses problemas seriam agravados com a aprovação das mudanças no 
Código Florestal, segundo Toledo.

Como agravante, muitos anfíbios dependem de espécies específicas de 
plantas para se reproduzir. Alguns só se acasalam em bromélias, outros 
em certos tipos de bambus e uma espécie de rã depende de plantas com 
folhas dobráveis para o acasalamento. A perda desses vegetais poderia 
também representar o desaparecimento dos anfíbios que deles dependem.

Os impactos potenciais nos répteis foi apresentado por Otávio Marques, 
pesquisador do Instituto Butantan. O grupo taxonômico tem 20% de suas 
espécies sob ameaça de extinção em todo o planeta e a maior causa 
disso seria a perda dos habitats, o que seria agravado com a aprovação 
da proposta que está no Congresso.

O atual código também erra ao permitir a compensação de uma área 
desmatada com a preservação de outra área dentro do mesmo bioma. Uma 
espécie que habita um local pode não viver em outro, afirmou.

Sob o ponto de vista econômico, o país perde com a perda da 
biodiversidade. Anfíbios e répteis fornecem moléculas complexas que 
podem ser aplicadas em fármacos. O anti-hipertensivo desenvolvido a 
partir do veneno da jararaca rende US$ 5 bilhões ao laboratório que o 
criou, exemplificou Marques.

A ausência de anfíbios e peixes provocaria um aumento nas populações 
de insetos, representando um aumento de doenças na população e de 
pragas na agricultura, resultando em maior necessidade de agrotóxicos.

Novas doenças surgiriam no gado originadas pela perda do habitat de 
cervos, segundo apontou Mauro Galetti, professor do campus de Rio 
Claro da Unesp, que analisou os efeitos potenciais da revisão do 
Código Florestal sobre os mamíferos.

A proximidade do gado com os cervos que perdem seus ambientes provoca 
trocas de doenças entre as duas espécies. Boa parte dos mamíferos 
prefere viver próximos a matas ripárias e, de acordo com Galetti, a 
redução dessas matas exporia os animais a predadores, a caçadores e a 
acidentes como atropelamentos.

O ornitólogo Pedro Ferreira Develey, da Save Brasil, apontou que 
muitas aves dependem de pequenas ilhas de vegetação nativa, sendo que 
várias espécies não saem dessas matas. Elas tem fotofobia e estão 
acostumadas a viver na sombra, por isso não saem para áreas abertas, 
disse.

O Brasil tem 17 de suas espécies de aves ameaçadas de extinção 
habitando matas ripárias, por isso, reduzir esses biomas poderia ser o 
golpe de misericórdia para algumas delas, destacou Develey.

Vera Fonseca, professora do Instituto de Biologia da USP, falou sobre 
possíveis consequências para abelhas da proposta de revisão do código 
. Responsáveis pela polinização de boa parte da produção agrícola 
brasileira, o desaparecimento de espécies desses insetos seria um 
desastre para inúmeras culturas, como o maracujá, o açaí, o cupuaçu e 
a castanha-do-pará, disse.

Giselda Durigan, do Instituto Florestal, falou sobre o Cerrado, onde 
estão localizadas as principais bacias hidrográficas do Brasil. O 
bioma, ao mesmo tempo, é considerado o celeiro do país, por concentrar 
boa parte da produção agrícola nacional. A cientista narrou os 
esforços de se recuperar a vegetação nativa do Cerrado, em muitos 
casos impossível, devido ao alto nível de degradação do solo.

José Galizia Tundisi, do campus de São Carlos da USP, falou sobre os 
impactos hídricos que a redução de cobertura vegetal nativa prevista 
no novo código poderia trazer.

Reduzir as matas ciliares que agem como tampões de proteção atingiria 
diretamente a qualidade das águas, aumentaria a toxicidade, reduziria 
ainda mais o nível dos rios por causa de assoreamento e encheria a 
água de sedimentos, aumentando o custo do tratamento, disse.

Segundo Tundisi, na região do Baixo Cotia, em São Paulo, por exemplo, 
o custo para tratar mil metros cúbicos de água é de cerca de R$ 300. 
Em comparação, o tratamento da mesma quantidade em uma cidade que 
possui rios com proteção de matas ciliares em seus mananciais cai para 
R$ 2.

A própria agricultura seria prejudicada. Aumentar a área agrícola 
reduzindo a mata ciliar reduzirá a água disponível. É um tiro no 
próprio pé, disse.

Conservação com expansão

Sérgius Gandolfi, da Esalq-USP, previu um apagão hídrico e citou como 
exemplo a usina hidrelétrica de Assis Chateaubriand, no Mato Grosso do 
Sul, que viu seu reservatório desaparecer por causa dos danos causados 
aos pequenos rios que o abasteciam.

Gandolfi também criticou vários aspectos da proposta de revisão do 
Código Florestal, como a previsão de concessão de incentivos aos 
produtores rurais à guisa de incentivo ao reflorestamento.

Isso é o mesmo que fazer o governo pagar para que industriais instalem 
filtros em suas fábricas. No Estado de São Paulo são 324.601 
propriedades rurais, se o governo gastar R$ 10 para cada uma, serão 
mais de R$ 3 milhões em dinheiro público gastos para pagar uma 
obrigação dos produtores, comparou.

O pesquisador também chamou a atenção para uma alteração que reduz 
ainda mais a área preservada. A versão atual do Código Florestal 
considera a margem do rio no período de cheia, chamado de leito maior. 
Entre as alterações previstas na revisão está a medição das margens a 
partir do leito menor, quando o rio está mais baixo.

O assoreamento atingiria principalmente os rios mais frágeis, ou seja, 
os menores, que são cerca de 90% dos rios do país, disse Gandolfi.

Rodrigues apresentou o programa desenvolvido na Esalq-USP de adequação 
ambientais de propriedades rurais. Sua equipe encontrou diversas 
propriedades com possibilidade de aumentar a área agrícola sem ferir o 
atual Código Florestal. Não estão usando toda a área a que têm direito 
para plantar, disse.

Esse projeto de lei [a revisão do Código Florestal] veio em um momento 
muito ruim, pois vários proprietários rurais já estavam se 
conscientizando sobre a importância de cumprir o código atual, disse 
Rodrigues, ressaltando que aqueles que se comprometeram a recuperar as 
áreas vigentes serão punidos com as alterações no código.

Geld Sparovek, também da Esalq-USP, explicou por que a conservação 
ambiental não impede a expansão das fronteiras agrícolas, apresentando 
vários estudos que mostram possibilidades de crescimento da área 
plantada sem atingir a vegetação a ser preservada.

Novo debate e alternativas

Nos encaminhamentos finais do encontro, os participantes decidiram que 
os sumários das apresentações serão encaminhados ao grupo de trabalho, 
organizado pela SBPC e ABC, que vem discutindo a proposta de mudança 
do Código Florestal.

Os palestrantes também se comprometeram a participar de uma segunda 
reunião, quando será apresentado um documento executivo que proponha 
alternativas.

Os pesquisadores concordam que é preciso rever e atualizar o Código 
Florestal Brasileiro, pois nas últimas décadas aumentou 
consideravelmente o conhecimento científico tanto em termos da 
biodiversidade brasileira como em termos da biologia da conservação, 
ecologia da paisagem e serviços ecossistêmicos.

Portanto, o país tem condições transformar esse conhecimento em 
políticas públicas, como fez o Programa Biota-Fapesp aqui no Estado de 
São Paulo. Na avaliação dos pesquisadores, o substitutivo aprovado 
pela Comissão Especial do Câmara dos Deputados vai na contra mão do 
avanço do conhecimento, representando um grande retrocesso na 
legislação ambiental brasileira caso venha a ser aprovado pelo 
Congresso Nacional, afirmou Joly.

Outra proposta, que ainda será avaliada, será a organização de um 
debate com representantes da comunidade científica, políticos e 
jornalistas do país e do exterior. O objetivo é tornar o debate 
público e mais acessível a toda a sociedade, pois mais de 80% da 
população brasileira vive em cidades e talvez não tenha condições de 
avaliar adequadamente as consequências das alterações propostas no 
Código Florestal, disse.

A reunião foi excelente pela qualidade das apresentações. Os 
pesquisadores já estavam preocupados com os aspectos salientados, eles 
já estavam trabalhando com essas questões há tempos. Isso demonstra 
uma consistência muito grande entre pesquisadores de diferentes áreas. 
Vamos reunir essas informações em um documento que sintetize o que foi 
apresentado para que, com ele, possamos abrir espaço para uma 
discussão mais ampla com lideranças do Congresso Nacional, disse Joly.

(Fabio Reynol)

(Agência Fapesp, 4/8)

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