segunda-feira, 4 de julho de 2011

Começa o antropoceno - A era do homem


Este é o novo nome para uma nova época geológica definida pelo imenso choque de nossa presença no planeta - impacto cuja marca vai perdurar no registro geológico até bem depois de as cidades terem virado escombros.

Por Elizabeth Kolbert
Foto de Massimo Vitali



Começa o antropoceno - A era do homem
Uma praia na Toscana reflete a complexa interação entre os seres humanos e o mar. Esta areia "tropical" não é natural: sua cor branca vem dos carbonatos produzidos por uma indústria química que jogava mercúrio ali. A fábrica converte o sal extraído do mar em cloro e outros produtos.
A trilha leva até o alto do morro, cruzando por um regato de correnteza rápida, retornando a ele e em seguida passando ao lado da carcaça de uma ovelha. Na minha opinião, está chovendo, mas ali, na parte sul das terras altas da Escócia, isso é considerado apenas uma garoa fina, ou smirr. Pouco depois da última curva fechada no caminho, aparecem uma cachoeira e um afloramento de rochas pontiagudas. O rochedo exibe faixas verticais, como se um bolo de camadas tivesse sido tombado de lado. Meu guia, o britânico Jan Zalasiewicz, um especialista em estratigrafia, aponta para uma faixa larga e cinzenta. "Algo bem violento aconteceu aqui", comenta.
Essa listra remonta a cerca de 445 milhões de anos e resultou do lento acúmulo de sedimentos no leito de um antigo oceano. Naquela época, a vida ainda estava restrita à água, e passava por uma crise. Entre a delimitação das bordas dessa faixa cinzenta de 1 metro de espessura, cerca de 80% das espécies marinhas se extinguiram, muitas delas animais, como os graptólitos, que não mais existem. Essa extinção maciça, ocorrida no fim do período Ordoviciano, foi um dos cinco maiores episódios desse tipo ocorridos nos últimos 500 milhões de anos. E coincidiu com mudanças violentas no clima, nos níveis globais dos mares e na composição química dos oceanos - tudo isso ocasionado, é bem provável, pela deriva de um supercontinente rumo ao polo Sul.

O trabalho de estratígrafos como Zalasiewicz é reconstruir a história da Terra com base em pistas desentranhadas de camadas rochosas - milhões de anos após elas terem sido formadas. Eles adotam uma perspectiva de longo prazo ao examinar acontecimentos no passado. Apenas os mais violentos costumam deixar sinais perenes. São esses eventos que assinalam os episódios cruciais no decorrer dos 4,5 bilhões de anos do planeta, aqueles pontos de reviravolta que dividem sua existência em etapas compreensíveis.

Por isso é desconcertante saber que muitos estratígrafos estão cada vez mais convencidos de que somos responsáveis por um desses eventos - ou seja, que nos últimos dois séculos, aproximadamente, os seres humanos modificaram o planeta a tal ponto que inauguramos uma nova época geológica: o Antropoceno. Debaixo do smirr, pergunto a Zalasiewicz como ele acha que essa época será vista pelos geólogos do futuro distante, seja lá quem forem eles. Essa transição será vista como uma das mais moderadas ou ficará marcada por uma faixa nítida ocasionada por acontecimentos muito violentos - como a extinção em massa no fim do Ordoviciano?

"É bem isso", responde Zalasiewicz, "que estamos tentando descobrir agora."

O termo "antropoceno" foi cunhado pelo químico holandês Paul Crutzen dez anos atrás. Ao participar de uma conferência, Crutzen, que ganhou em 1995 um prêmio Nobel pela descoberta dos efeitos prejudiciais de certos compostos na camada de ozônio, ficou incomodado com o fato de o presidente do simpósio se referir várias vezes ao Holoceno, a época iniciada no fim da última glaciação, 11,5 mil anos atrás, e que oficialmente continua até hoje. "Precisamos parar com essa história", lembra-se Crutzen de ter exclamado de repente, incapaz de se conter. "O Holoceno já ficou para trás. Agora estamos no Antropoceno!" Todos na sala ficaram mudos, mas, durante a pausa para o café, a ideia do Antropoceno foi o principal tema das conversas. Alguém até chegou a sugerir que Crutzen registrasse o termo.

Na década de 1870 um geólogo italiano, Antonio Stoppani, já argumentava que os seres humanos haviam dado início a uma nova época, a que chamou de "antropozoica". A proposta de Stoppani acabou sendo descartada, considerada pouco científica por outros especialistas. A ideia do Antropoceno, por outro lado, encontrou ressonância. O impacto humano no mundo tornou-se bem mais óbvio do que no tempo de Stoppani, em parte porque desde então o tamanho da população quadruplicou, chegando a quase 7 bilhões de pessoas. "O padrão de crescimento da população humana no século 20 foi mais parecido com o das bactérias do que com o dos primatas", escreveu o biólogo E.O. Wilson. Segundo ele, a biomassa humana já é uma centena de vezes maior que a de qualquer outra espécie animal de grande porte que já viveu na Terra.

Em 2002, quando Crutzen desenvolveu a ideia do Antropoceno em artigo para a revista Nature, o conceito foi retomado e discutido por pesquisadores das mais variadas disciplinas. E logo começou a pipocar em publicações científicas.

No princípio, a maioria dos cientistas que adotaram o novo termo geológico não era formada por geólogos. Tais discussões despertaram a atenção de Zalasiewicz, ele sim um geólogo. "Notei que o termo de Crutzen começou a aparecer na literatura séria, sem aspas nem conotação irônica", conta ele. Em 2007, quando era presidente da Sociedade Geológica da Comissão de Estratigrafia de Londres, Zalasiewicz decidiu, em uma reunião, perguntar aos colegas o que eles achavam do Antropoceno. Vinte e um dentre os 22 presentes afirmaram que o conceito era razoável. Mas conseguiria o Antropoceno atender aos critérios usados para a designação de uma nova época geológica? No jargão da disciplina, as épocas são períodos de tempo curtos, mesmo quando se estendem por dezenas de milhões de anos. (Os períodos, como o Ordoviciano e o Cretáceo, duram bem mais, e as eras, como a Mesozóica, são ainda mais longas.) As fronteiras entre as épocas são definidas por mudanças preservadas em rochas sedimentares - como o surgimento de um tipo de organismo fossilizado, por exemplo, ou o desaparecimento de outro.

Claro que esse registro rochoso do presente ainda não existe. Por isso, a questão era: quando tal registro existir, o impacto da presença humana vai se revelar "estratigraficamente significativo"? A resposta dada pelo grupo do britânico Jan Zalasiewicz é afirmativa - ainda que não pelos motivos que poderíamos esperar.

Fonte: National Geografic



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